Espaços de Identidade | Eduardo Veras

ESPAÇOS DE IDENTIDADE

Eduardo Veras[1]

Apregoa o senso comum que o sujeito ocupado de questões menores, irrelevantes, faria melhor se desse conta da louça que se acumula na pia – sempre há louça por lavar, seja na casa dele ou na de qualquer outra pessoa. O ensaio Espaços de identidade, de Silvia Giordani, não contesta nem confirma a blague popular; oferece, antes, uma espécie de torção daquilo que ela pontifica.

A louça se acumula, ora suja, na pia, ora limpa, no escorredor, mas já não remete a uma tarefa, nem chega a evocar algo de necessariamente produtivo, obrigatório, algo já feito ou por realizar. A louça, nas imagens de Silvia Giordani, talvez não corresponda nem mesmo àquele convite, caro a tantos artistas, para que voltemos a atenção para as pequenas glórias cotidianas: as naturezas-mortas que arranjamos dia após dia, na cozinha ou na copa, sem ao menos perceber que ali se orquestrava uma composição, ali se delineava, ainda que involuntariamente, o belo.

Talvez seja algo ainda anterior o que emerge feito torção dessas naturezas-mortas que Silvia Giordani nos oferece. A louça, agora, é sobretudo pretexto: subterfúgio próximo e disponível para a construção de imagens. Parece que a louça, o escorredor, a pia, se não deixam de ser o que são ou de sugerir o que sugerem, inclinam-se, com certo empenho, a uma série de paradoxos. Impõem-se, antes de tudo, como indefinições: estão entre a figura concreta, referenciada, e a abstração, entre o contorno e a mancha, entre curvas e arestas, entre transparências e opacidades.

 

[1] Professor e crítico de arte.