O Estereótipo sob Suspeita | Niura Legramante Ribeiro

O ESTEREÓTIPO SOB SUSPEITA

Dra Niura Legramante Ribeiro[1]

A mise en scène, as figurações ou hiper-figurações, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não são anacrônicas na fotografia contemporânea, pois continuam bem vivas. Para lembrar o pensamento do crítico Michel Poivert, determinadas fotografias na contemporaneidade, não se colocam mais como uma janela aberta para o mundo, mas como uma representação, como um palco. O artista australiano Bill Gekas, faz fotografias de retratos de crianças, algumas das quais guardam referências com obras dos grandes mestres da pintura como Joahnnes Vermeer e Rembrandt. Travestir-se de referências ao universo da pintura clássica também foi uma estratégia explorada, na arte contemporânea, pelas fotografias de Cindy Sherman.  Assim como Gekas, a artista gaúcha Silvia Giordani, também realiza a mise en scène com fotografias de crianças que dirigem seus olhares diretamente à câmera. As personagens da artista gaúcha se diferenciam das obras de Gekas por um olhar de causticidade.  A menina da fotografia intitulada La Fiancée 1 (2012), de Giordani, tem um estranhamento no olhar que não se vê nas obras do fotógrafo australiano, um olhar de humor negro que não se adequa à situação de felicidade da representação de uma noiva. Ao contrário, o olhar de morbidez confere uma ironia à situação representada. A outra estratégia utilizada pela artista é criar tais estranhamentos em relação às poses como na fotografia La Femme 4 (2012), na qual a menina dá as costas ao espectador numa pose enigmática e pouco comum. Enganam-se os olhares apressados e viciados em estereótipos de que, por colocar as meninas vestidas de adulto estaria, simplesmente, fazendo uma alusão à brincadeira do mundo infantil, quando a criança se veste de adulto. Se desejasse que tais fotografias fossem interpretadas apenas como uma criança reproduzindo estereótipos do mundo adulto, a artista não criaria situações de crise em relação a tais estereótipos.

Portanto, ao olhar suas fotografias, torna-se necessário despir os olhares de pensamentos formatados em pré-concepções, em experiências ligeiras e fáceis, sem reflexão sobre o que realmente a artista propõe em cada mise en scène. Com estes pseudo estereótipos Giordani parece desafiar uma percepção codificada que faz uma leitura imediata baseada em situações pré-concebidas. Suas fotografias exigem do espectador um olhar mais cirúrgico, porque, na verdade, a artista coloca o estereótipo sob suspeita.

[1] Doutora pelo PPG-AVI, UFRGS e Mestre em Artes, ECA/USP. Professora do IA|UFRGS, Porto Alegre.